segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

No Brasil, só 5% dos homicídios são elucidados


No Reino Unido, taxa é de 85% e nos EUA, de 65%; 85 mil inquéritos abertos em 2007 ainda estão inconclusos



SÃO PAULO — A meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp) — parceria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça — previa concluir até abril de 2012 todos os inquéritos abertos até dezembro de 2007 para investigar casos de homicídio. Mas, do total de 136,8 mil inquéritos, apenas 10.168 viraram denúncias e 39.794 foram arquivados. Outros 85 mil inquéritos ainda estão em aberto.

Segundo Taís Ferraz, conselheira do CNMP e coordenadora do Grupo de Persecução Penal da Enasp, o trabalho para concluir essas investigações continua.

— A polícia está fazendo diligências na maioria desses 85 mil inquéritos. Parte deles ainda pode virar denúncia — diz.

Agora, o CNMP também trabalha com inquéritos registrados até 2008. A meta é concluí-los até abril deste ano, mas, até agora, 95% dos inquéritos continuam em aberto. Entre os que avançaram, apenas 246 viraram denúncia.

Para o jurista e ex-promotor de Justiça Luiz Flávio Gomes, o esforço do Ministério Público para resolver os inquéritos inconclusos é louvável, mas os números evidenciam o sentimento de impunidade no país.

—Temos uma média de 5% de resolução de homicídios. No Reino Unido esse número é de 85%, nos Estados Unidos, de 65%. Nosso número é ridículo. Ainda reina uma impunidade muito grande — diz ele.

Para Taís Ferraz, o percentual baixo no Brasil não pode ser visto isoladamente:

—Na maioria dos estados, conseguimos eliminar mais de 50% do passivo. E para dez mil casos que seriam esquecidos, que cairiam na impunidade, conseguimos formalizar uma denúncia.

O balanço do CNMP mostra um bom desempenho de estados como Acre e Piauí, que conseguiram cumprir 100% da meta. Minas Gerais e Goiás, por outro lado, aparecem com os piores indicadores, e resolveram apenas 11,4% e 12% dos inquéritos, respectivamente.

Para a conselheira do CNMP, só o fato de a Enasp estar fazendo um diagnóstico dos inquéritos já é motivo de comemoração:

— Antes, não havia sequer como mensurar o tamanho do problema.

A promotora também diz que o trabalho sobre os inquéritos trouxe à tona a discussão sobre os problemas da investigação criminal no país:

— Nós nos deparamos com um quadro muito complicado, de falta de equipamento e de pessoal. Muitos estados têm aberto concursos para a polícia científica. E mesmo o governo federal abriu os olhos para a importância da perícia e tem ajudado os estados na aquisição de equipamentos. São passos fundamentais para a resolução dos homicídios.

Estado do Rio arquivou em massa os inquéritos

Quando a Meta 2 foi fixada, o objetivo era identificar os inquéritos e processos judiciais mais antigos e adotar medidas concretas para fazê-los andar, na contramão da morosidade. Os resultados, porém, causaram polêmica. Em 2011, reportagem do GLOBO mostrou que, para cumprir a meta estabelecida pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a Procuradoria de Justiça do Rio de Janeiro, em apenas quatro meses (abril a junho), arquivou 6.447 inquéritos de homicídio.

Os promotores optaram por um arquivamento em massa, em vez de investir mais nas investigações, para concluir os inquéritos e chegar ao fim do ano com prateleiras vazias. Na grande maioria dos casos, eles alegaram que faltavam informações sobre a autoria dos crimes, geralmente cometidos em bairros pobres, e envolvendo famílias sem condição financeira ou social para reclamar por justiça.

Muitas delas, por medo de retaliações, optavam pelo silêncio, agravando ainda mais a má qualidade da investigação produzida pela polícia, com o acompanhamento do MP.

Atropelamento a pauladas

Para justificar o arquivamento de um dos inquéritos no Estado do Rio, o promotor alegou tratar-se de um atropelamento. Uma rápida examinada no conteúdo, porém, revelou que a vítima, na verdade, fora morta a pauladas.

Mas o problema não se limitou ao Rio. Nos primeiros quatro meses de Meta 2 em 2011, os MPs do país já haviam arquivado 11.282 casos e oferecido denúncia em apenas 2.194.

O Estado do Rio foi o segundo que mais arquivou: 96% dos casos examinados. Só foi superado por Goiás (97%), que teve mais da metade de todos os inquéritos arquivados no país.

COMENTÁRIOS VIA FELIPE ZILLI

1- Vejam que estamos falando apenas de "elucidação" dos casos por parte da polícia. Não de "condenação" dos autores por parte da Justiça. Destes 5% de elucidação, qual seria o percentual de casos mal apurados, com conjunto probatório frágil e com falhas grotescas no processo de investigação? Certamente o funil da impunidade é ainda mais estreito...

2- Dentro destes 5% de casos "elucidados", quantos seriam aqueles que, na gíria policial, já chegam às delegacias "derrubados" (praticamente apurados)? Ou seja, não seriam esses "casos elucidados" compostos basicamente por flagrantes, homicídios passionais e outros crimes de proximidade? Casos estes que, nem de longe, tangenciam o fenômeno criminal que, de fato, estrutura a violência letal no Brasil: a morte de homens, jovens, não brancos, pobres, assassinados por armas de fogo em favelas e bairros pobres de periferia (crimes estes, que, de acordo com os poucos dados existentes sobre autoria no Brasil, geralmente são praticados por autores com o mesmo perfil). Diante da baixa qualidade dos dados policiais no Brasil, resta o uso da intuição: tenho a impressão de que a imensa maioria dos 95% de homicídios "não apurados" é formada por este tipo de caso.

3- Em qualquer lugar do mundo, todas as intervenções e políticas públicas que obtiveram sucesso na redução dos homicídios contaram com a participação efetiva de forças policiais investigativas bem aparelhadas, bem treinadas e com atuação pautada em metodologias e técnicas de investigação consolidadas. Já que o lobby corporativo nos amarra a um arranjo com duas polícias (arranjo este completamente esquizofrênico e disfuncional), encaremos o fato de que não há mais como adiar a discussão sobre a modernização das Polícias Civis no Brasil. Sem polícias investigativas e perícias efetivamente preparadas, valorizadas, com quadros rigidamente selecionados, bem aparelhadas, transparentes e com forte investimento em metodologias e processos técnicos/científicos de investigação, não seremos capazes de enfrentar o problema da violência letal no Brasil.

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